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sábado, 20 de agosto de 2022

A Igreja Católica morreu? Cristo também


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https://expresso.pt/opiniao/2022-08-15-A-Igreja-Catolica-morreu--Cristo-tambem-67045052

Esta crise que assola a Igreja Católica não é a primeira, mas talvez seja difícil não a ver como sendo a mais grave, a mais imoral e a que mais ameaça a sua sobrevivência. Mas há uma buraco de agulha para a sua salvação. (...) Há 486 anos, a 15 de Agosto de 1534, Inácio de Loyola e seis companheiros fizeram os votos iniciais, que em Setembro de 1540 deram origem à Companhia de Jesus


Esta crise que assola a Igreja Católica não é a primeira, mas talvez seja difícil, mesmo sem nos obrigarmos a um grande detalhe histórico e sobretudo se formos católicos, não a ver, de entre todas as crises por que passou, como sendo a mais grave, a mais imoral e a que mais ameaça a sua sobrevivência. Mas há um buraco de agulha para a sua salvação. Um buraco de agulha que não só não é indiferente ao dia de hoje, mas um buraco de agulha que pode ter precisamente no dia 15 de Agosto a inspiração e a oportunidade para o seu camelo.


Dizia que esta é a crise mais grave e a mais imoral. Podemos, por exemplo, recordar a crise das indulgências: a Igreja, a troco de pagamento, ofereceu indulgências aos pecadores. A ideia de "comprar", com dinheiro, um lugar no céu é uma ideia profundamente imoral e uma punhalada no coração de Cristo. A instituição, na cupidez do seu poder, conspurcou a pureza da comunidade de Amor e traiu o seu fundador, o seu Caminho, a sua Verdade e a sua Vida. Aconteceu no Séc. XVI, e este degredo moral teve na Reforma e no advento do Protestantismo a reacção. Por esta altura, a Igreja perdia fiéis em todo o mundo conhecido e, com isso, influência. E estou a falar da influência espiritual, que é que mais a deveria ocupar. Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? (Mc 8:36)


Repito e recentro: dizia que esta é a crise mais grave e a mais imoral. Há coisa de um ano tomámos conhecimento da atrocidade em França: "a conclusão é devastadora e vergonhosa: cerca de 200 mil crianças e jovens foram abusados por cerca de 2900 a 3200 'religiosos' (isto é, membros do clero e de ordens e congregações religiosas) e colaboradores variados das suas instituições." As palavras não são minhas, são do já tão saudoso Padre António Vaz Pinto, sj. Por cá, começamos agora a tomar conhecimento da realidade portuguesa, e os relatos de abuso e encobrimento são bastante perturbadores. E, por mais que se ame a Igreja, não admitem adversativas. É Cristo que sangra. Dizia o Padre António que "numa Igreja que se considera defensora e promotora das pessoas, dos jovens e da dignidade humana, é quase inacreditável!… Como membro desta Igreja e instituição e seu sacerdote (presbítero) sinto-me envergonhado e magoado por tanta indignidade." Eu também.


Dizia eu, também, que esta crise é a que mais ameaça a sua sobrevivência. As ameaças, reunidas como uma tempestade perfeita, são várias: a crescente secularização da sociedade, o também crescente anti-clericalismo, a emergência de outras "espiritualidades", o crescimento acelerado de respostas evangélicas de proximidade aos mais vulneráveis. Porém, de entre todas, a percepção - e não se trata só de um desvio de olhar - da falência moral de quem, durante tanto tempo e a partir de tantos púlpitos, se quis afirmar como um bastião moralista, é a mais ameaçadora. E é nesta clivagem entre o moralismo e a Moral, que surge outra ameaça, interna, à vida da Igreja: um cisma crescentemente audível, entre uma ortodoxia ultra-conservadora, que clama pelo fecho entre os seus, que se consideram mais puros, mais pios, e uma heterodoxia libertária que procura a abertura aos outros, classificados, não poucas vezes, como menos conformes, como mais pecadores.


Qual, então, o caminho imediato, no meio deste tempo de trevas? O de sempre, da Igreja de Cristo: a Luz. Volto ao Padre António: "antes de mais, pôr as vítimas no 'centro do problema', começando por ouvi-las e na (fraca) medida do possível, compensá-las. No centro, repito, pôr as vítimas e não as instituições, por mais sagradas que sejam. A verdade acima dos interesses e da aparência. Acabar com a política de ocultação e segredo e de 'paninhos quentes' que permitiu e potenciou os abusos e os abusadores… Promover e acompanhar uma melhor e mais cuidada formação (religiosa, psicológica e afectiva) dos educadores, religiosos e colaboradores leigos. Punir, severamente, também na ordem civil, os culpados de tais desvios, abusos, aberrações e ocultamentos".


Mas, mais imediato ou mais mediato, o caminho da Igreja não se pode esgotar na dor, mas necessariamente na ressurreição. E, já agora, no exemplo de Cristo. E é por isso que 15 de Agosto pode ser a inspiração e a oportunidade para o seu camelo. Ou, dito por palavras menos parabólicas, porque o dia 15 de Agosto nos recorda caminhos de ressurreição.


Há 486 anos, a 15 de Agosto de 1534, Inácio de Loyola e seis companheiros fizeram os votos iniciais, que em Setembro de 1540 deram origem à Companhia de Jesus. Quando, por força da crise das indulgências e do advento da Reforma, a Igreja Católica perdia almas do seu rebanho, foram os jesuítas, nos confins do mundo conhecido e mais além (uma espécie de Buzz Lightyear do séc. XVI), que trouxeram novas almas a Cristo e à fé católica. Disso é exemplo Francisco Xavier, que a 15 de Agosto de 1549 desembarcou em Kagoshima, no Japão. Um homem que partiu de Lisboa para o Oriente, nunca mais tendo voltado à Europa, e lá se fez Santo.


Porque é que estes exemplos inacianos podem ser tão inspiradores nestes tempos? Porque os jesuítas, na sua heterodoxia de forma e centramento no essencial da fé, foram vistos com suspeita e perseguidos com malícia pelos ortodoxos do seu tempo. Mas também porque nessa forma de actuar na periferia, nesse empenhado encontro com o outro, na defesa dos vulneráveis (como não lembrar o gigante António Vieira?) fizeram renascer da crise uma Igreja projectada para a Eternidade, mas ameaçada pela iniquidade.


O Papa Francisco disse, em 2016, num encontro da Companhia, que “os jesuítas são chamados a ir de um lugar para o outro, estando disponíveis para viver em qualquer parte do mundo onde se espera o maior serviço de Deus e a maior ajuda às almas”. Tomo a liberdade de acrescentar: a longinquidade dos tempos fundacionais, no limite do mundo conhecido, está hoje na proximidade dos corações abandonados no seio das nossas comunidades. Se a Igreja for capaz de encontrar esse caminhos de ressurreição, as notícias sobre a sua morte terão sido, uma vez mais,excessivamente exageradas.


Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia hu






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